Quando Chico Xavier morreu, há oito anos, a revista Superinteressante lhe dedicou a reportagem de capa – na verdade, quase um panfleto pró-kardecismo. No dia 2 de abril deste ano, o mais famoso médium brasileiro completaria 100 anos. Não deu outra: voltou a estampar a capa da maior (em tiragem) revista de divulgação científica nacional. No editorial, lemos as justificativas para a pauta: “Sua [de Chico] liderança foi, acima de tudo, espiritual. Por isso, merece ser respeitado.” Ok. Vou me lembrar disso em dezembro, quando Jesus ou a Bíblia forem novamente tema de reportagens críticas e vendedoras.
O editorial deste mês, assinado pelo diretor de redação da Super, Sérgio Gwercman, faz também uma ressalva: “Mas não podemos confundir respeito com reverência. [...] Porque o jornalismo existe nas perguntas – e um jornalista não deve deixar de fazê-las, qualquer que seja a importância do personagem. É assim que trabalhamos aqui na Super. Não somos pró ou anti-Chico Xavier, como não somos favoráveis ou contrários ao papa, à Bíblia, a Charles Darwin. Nós nos damos o direito de fazer perguntas a todos eles. Às vezes, incômodas. Mas nem por isso desrespeitosas.”
Essa foi uma das maiores pérolas que li na Superinteressante nos vários anos em que a acompanho (não mais como assinante faz tempo). Depois de analisar brevemente a reportagem sobre Chico Xavier, quero voltar às palavras bombásticas de Gwercman.
Embora tente posar de crítico, mais uma vez o pessoal da Super incensa o espiritismo. Praticamente o único momento na reportagem em que lançam alguma dúvida sobre Xavier é este: “Em 1971, um repórter da revista Realidade, José Hamilton Ribeiro [por sinal, paraninfo da minha turma de jornalismo na UFSC], visitou as sessões de psicografia. E denunciou: tinha truque ali. ‘Meu fotógrafo viu um dos assessores de Chico levantar o paletó discretamente e borrifar perfume no ar. As pessoas pensavam que o perfume vinha dos espíritos’, diz Ribeiro.”
José Hamilton, como bom repórter (um dos melhores), não se rendeu ao mito. Ele, sim, fez as perguntas certas, duvidou e apurou. E a Super? Passa por cima dessa denúncia antiga e segue apontando “evidências” de que Chico teria sido mesmo um canal de comunicação dos mortos com o mundo dos vivos. A revista informa que as assinaturas nas cartas que o médium psicografava eram muito semelhantes às dos supostos autores do "além" e até serviram como prova em três julgamentos (num desses, a “vítima” enviou uma mensagem através de Chico dizendo que a morte dela havia sido acidental).
A reportagem (que deveria perguntar) também afirma que quando Chico emprestava a mão para escritores famosos como Olavo Bilac e Castro Alves, as obras decorrentes dessa “parceria” possuíam um estilo reconhecido como fiel aos textos originais. Depois exalta o lado “mártir” do espírita órfão que foi maltratado na infância e sofreu de várias doenças na velhice, conquistando a simpatia de “todo o país”, como se o sofrimento e as obras meritórias isentassem alguém das perguntas que a Super prometeu, mas não fez.
Como a revista já deixou claro em edições passadas, a Bíblia não lhe serve de fonte de informações. Portanto, jamais poderá perguntar devidamente sobre a origem dos fenômenos que acompanharam o médium. Poderá apenas ficar admirada (como mostrou nas linhas e entrelinhas) com esses fenômenos, muitos dos quais inegáveis, sem saber que eles nada têm que ver com supostos espíritos de mortos.
Antes de concluir, quero voltar às palavras de Gwercman e deixar uma pergunta no ar: “É assim que trabalhamos aqui na Super. Não somos pró ou anti-Chico Xavier, como não somos favoráveis ou contrários ao papa, à Bíblia, a Charles Darwin. Nós nos damos o direito de fazer perguntas a todos eles. Às vezes, incômodas. Mas nem por isso desrespeitosas.”
A pergunta: Quando foi que a Superinteressante fez perguntas incômodas a Darwin ou ao darwinismo? Resposta: nunca.
Que esse editorial nunca seja esquecido.
quarta-feira, abril 14, 2010
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