Em seu programa de tevê e nos cultos, o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, um dos maiores porta-vozes do conservadorismo religioso no País, costuma repetir a ladainha: “Homossexualidade na Bíblia é pecado. Pode tentar, forçar, mas é pecado.” Mas será mesmo pecado ser gay? Não, contestam, baseados na interpretação da mesma Bíblia, sacerdotes cristãos, tanto católicos quanto evangélicos. Para eles, a mensagem de Jesus era de inclusão: se fosse hoje que viesse à Terra, o filho de Deus teria recebido os homossexuais de braços abertos. “Orientação sexual não é o que vai definir a nossa salvação”, afirma o bispo primaz da Igreja Anglicana no Brasil, dom Maurício Andrade. “É muito provável que as pessoas homoafetivas fossem acolhidas por Jesus. O Evangelho que ele pregou foi de contracultura e inclusão dos marginalizados”, opina. Segundo o bispo, ao mesmo tempo que não há nenhuma menção à homossexualidade no Novo Testamento, há várias passagens que demonstram a pregação de Jesus pela inclusão. Não só o conhecido “quem nunca pecou que atire a primeira pedra” à adúltera Maria Madalena. [...]
“Jesus inaugura o momento da Graça, os Evangelhos atualizam vários trechos do Velho Testamento. Ou alguém pode imaginar apedrejar pessoas hoje em dia?”, questiona dom Maurício, para quem a interpretação da Bíblia deve se basear no tripé tradição, razão e experiência cotidiana. “Quem interpreta que a Bíblia condena a homoafetividade está sendo literalista. Cada texto bíblico está inserido num contexto político, histórico e cultural, não pode ser transportado automaticamente para os dias de hoje. Além disso, a Igreja tem de dar resposta aos anseios da sociedade, senão estaremos falando com nós mesmos.” [E quando a Bíblia condena o adultério, a fofoca, as bebedeiras, etc.? Quem prega contra essas coisas também está sendo “literalista”?] [...]
Com o reconhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça, em 25 de outubro, da união civil de duas lésbicas, é possível que a intolerância religiosa contra os homossexuais volte a se acirrar. No Twitter, Malafaia atiçava os seguidores a enviar e-mails aos juízes do Tribunal pedindo a rejeição do recurso. Em vão: a união entre as duas mulheres gaúchas, juntas há cinco anos, ganhou por 4 votos a 1.
A partir da primeira decisão do STF, foi criada, informalmente até agora, uma frente religiosa pela diversidade sexual, que reúne integrantes de diversas igrejas: batistas, metodistas, anglicanos, luteranos, presbiterianos, católicos e pentecostais. Coordenador do grupo, o metodista Anivaldo Padilha (pai do ministro da Saúde, Alexandre Padilha) diz que a homossexualidade é hoje um dos temas que mais dividem as igrejas, tanto evangélicas quanto católicas. “Quem alimenta o preconceito são as lideranças. Os fiéis manifestam dificuldade em obter respostas, porque no convívio com amigos, colegas ou mesmo parentes que sejam homossexuais não veem diferença.” [...]
“A Bíblia, infelizmente, tem sido usada para defender quaisquer posicionamentos, desde a escravidão (sobram textos que legitimam a escravatura) ao genocídio”, opina o pastor Ricardo Gondim, da Igreja Betesda de São Paulo, protestante. [Aqui Gondim comete um grave equívoco. A Bíblia não recomenda a escravidão, apenas a tolera como costume. Assim como, ao relatar o fato de que alguns patriarcas consumiram bebidas alcoólicas e praticaram a poligamia, não está, com isso, autorizando essas práticas. No caso dos genocídios, é preciso analisar o contexto.] “Como o sexo é uma pulsão fundamental da existência, o controle sobre essa pulsão mantém um fascínio enorme sobre quem procura preservar o poder. Assim, o celibato católico e a rígida norma puritana não passam de mecanismos de controle. O uso casuístico das Escrituras na defesa de posturas consideradas conservadoras ou ‘ortodoxas’ não passam, como dizia Michel Foucault, de instrumentos de dominação.” [Gondim erra mais uma vez. Misturar celibato católico com o homossexualismo é o cúmulo da distorção bíblica e histórica.]
“Um teólogo que eu admiro muito, Carlos Mesters, costuma dizer que a Bíblia é uma flor sem defesa. Dependendo da mão e da intencionalidade de quem a usa, a posição mais castradora ou a mais libertadora pode ser defendida usando-a”, concorda a pastora Odja Barros, presidente da Aliança de Batistas do Brasil, espécie de dissidência da Igreja Batista que aceita homossexuais entre seus integrantes – são seis igrejas no País. [Barros está correta, embora tenha abraçado a visão “libertadora”, claro. O ideal é permitir que a Bíblia se interprete a si mesma, deixando de lado motivações e interesses dos leitores.] [...]
Um dos pontos principais para a compreensão da questão à luz da Bíblia, de acordo com Odja Barros, é desconstruir as leituras mais hegemônicas, patriarcais, que afetam a vida não só dos gays, como das mulheres. Há trechos, por exemplo, que justificam a submissão e a violência contra a mulher. A própria Odja só se tornou pastora graças a essa releitura. [Outro erro. Mais uma vez é preciso ressaltar o fato de que a Bíblia descreve a cultura em que foi redigida e, em nome da aceitação da mensagem sem grandes impedimentos, em alguns casos, tolera essa cultura. Do ponto de vista divino – e isso é claro na Bíblia –, homem e mulher foram criados iguais e detêm a mesma dignidade. Paulo recomenda a mútua submissão, ao passo que as feministas gostam de ressaltar apenas o texto em que ele recomenda à mulher ser submissa ao esposo.] [...]
“Além disso, hoje temos conhecimento de uma gama impressionante de comportamentos sexuais entre os animais, o que inclui homossexualidade e hermafroditismo”, defende o padre católico [homossexual] James Alison, britânico radicado em São Paulo. [Opa! Os animais também praticam canibalismo, suicídio coletivo e mantêm outros comportamentos “bárbaros”, certamente derivados da degeneração pós-pecado. Vamos nos nivelar aos irracionais, então? Serão eles nosso referencial de conduta? Isso é o que dá abraçar a filosofia darwinista...] [...]
Para o padre, a falta de discussão no catolicismo sobre a homossexualidade “emburreceu” as pessoas para o debate em torno da pedofilia, que tanto tem causado danos à imagem da Igreja nos últimos anos. Daí a reação lenta diante das denúncias. E também se tornou um obstáculo à evangelização. [Se o negócio é relativizar, por que condenar a pedofilia? Há pessoas que a defendem como forma de afetividade “normal”. E agora? E o incesto? Por que seria errado? A Bíblia o condena, certo, mas essa condenação não viria também de uma leitura “literal” dela? Além disso, animais praticam “pedofilia” e incesto...]
(Cynara Menezes, Carta Capital)
Nota: O que alguns líderes religiosos liberais parecem não perceber é que Jesus acolhia o pecador a fim de que este tivesse a vida transformada. Para a mulher apanhada em adultério – que Jesus perdoou incondicionalmente –, Ele disse: “Vá e não peques mais.” Jesus ama e abraça o pecador, mas odeia e rechaça o pecado, pois o pecado destrói o ser humano e desfigura a imagem de Deus nele. Respondendo à pergunta do artigo acima (Ser gay é pecado?): não, ser gay não é pecado, tanto quanto ser humano (com sua natureza pecaminosa) não é pecado. Pecado é dar rédeas soltas a essa natureza. Pecado é viver “na carne”, como diz a Bíblia. Ser gay (ter tendências homossexuais), portanto, não é pecado; manter um estilo de vida homossexual, isso, sim, segundo a Bíblia, é pecado. Líderes religiosos liberais podem tentar amenizar o discurso para parecerem politicamente corretos, mas, se forem fieis à Palavra de Deus, deverão admitir que manter relações sexuais com pessoas do mesmo sexo (assim como praticar sexo fora e antes do casamento) é considerado pecado por Aquele que inspirou a redação das Escrituras. Deus criou um homem e uma mulher para, no contexto matrimonial, desfrutarem do sexo numa relação de amor e compromisso. Biblicamente falando, é isso. Mas esse mesmo Deus concede liberdade para cada um viver como bem entende – em pecado ou não.[MB]
Leia também: "Gays nascem gays?"
“Jesus inaugura o momento da Graça, os Evangelhos atualizam vários trechos do Velho Testamento. Ou alguém pode imaginar apedrejar pessoas hoje em dia?”, questiona dom Maurício, para quem a interpretação da Bíblia deve se basear no tripé tradição, razão e experiência cotidiana. “Quem interpreta que a Bíblia condena a homoafetividade está sendo literalista. Cada texto bíblico está inserido num contexto político, histórico e cultural, não pode ser transportado automaticamente para os dias de hoje. Além disso, a Igreja tem de dar resposta aos anseios da sociedade, senão estaremos falando com nós mesmos.” [E quando a Bíblia condena o adultério, a fofoca, as bebedeiras, etc.? Quem prega contra essas coisas também está sendo “literalista”?] [...]
Com o reconhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça, em 25 de outubro, da união civil de duas lésbicas, é possível que a intolerância religiosa contra os homossexuais volte a se acirrar. No Twitter, Malafaia atiçava os seguidores a enviar e-mails aos juízes do Tribunal pedindo a rejeição do recurso. Em vão: a união entre as duas mulheres gaúchas, juntas há cinco anos, ganhou por 4 votos a 1.
A partir da primeira decisão do STF, foi criada, informalmente até agora, uma frente religiosa pela diversidade sexual, que reúne integrantes de diversas igrejas: batistas, metodistas, anglicanos, luteranos, presbiterianos, católicos e pentecostais. Coordenador do grupo, o metodista Anivaldo Padilha (pai do ministro da Saúde, Alexandre Padilha) diz que a homossexualidade é hoje um dos temas que mais dividem as igrejas, tanto evangélicas quanto católicas. “Quem alimenta o preconceito são as lideranças. Os fiéis manifestam dificuldade em obter respostas, porque no convívio com amigos, colegas ou mesmo parentes que sejam homossexuais não veem diferença.” [...]
“A Bíblia, infelizmente, tem sido usada para defender quaisquer posicionamentos, desde a escravidão (sobram textos que legitimam a escravatura) ao genocídio”, opina o pastor Ricardo Gondim, da Igreja Betesda de São Paulo, protestante. [Aqui Gondim comete um grave equívoco. A Bíblia não recomenda a escravidão, apenas a tolera como costume. Assim como, ao relatar o fato de que alguns patriarcas consumiram bebidas alcoólicas e praticaram a poligamia, não está, com isso, autorizando essas práticas. No caso dos genocídios, é preciso analisar o contexto.] “Como o sexo é uma pulsão fundamental da existência, o controle sobre essa pulsão mantém um fascínio enorme sobre quem procura preservar o poder. Assim, o celibato católico e a rígida norma puritana não passam de mecanismos de controle. O uso casuístico das Escrituras na defesa de posturas consideradas conservadoras ou ‘ortodoxas’ não passam, como dizia Michel Foucault, de instrumentos de dominação.” [Gondim erra mais uma vez. Misturar celibato católico com o homossexualismo é o cúmulo da distorção bíblica e histórica.]
“Um teólogo que eu admiro muito, Carlos Mesters, costuma dizer que a Bíblia é uma flor sem defesa. Dependendo da mão e da intencionalidade de quem a usa, a posição mais castradora ou a mais libertadora pode ser defendida usando-a”, concorda a pastora Odja Barros, presidente da Aliança de Batistas do Brasil, espécie de dissidência da Igreja Batista que aceita homossexuais entre seus integrantes – são seis igrejas no País. [Barros está correta, embora tenha abraçado a visão “libertadora”, claro. O ideal é permitir que a Bíblia se interprete a si mesma, deixando de lado motivações e interesses dos leitores.] [...]
Um dos pontos principais para a compreensão da questão à luz da Bíblia, de acordo com Odja Barros, é desconstruir as leituras mais hegemônicas, patriarcais, que afetam a vida não só dos gays, como das mulheres. Há trechos, por exemplo, que justificam a submissão e a violência contra a mulher. A própria Odja só se tornou pastora graças a essa releitura. [Outro erro. Mais uma vez é preciso ressaltar o fato de que a Bíblia descreve a cultura em que foi redigida e, em nome da aceitação da mensagem sem grandes impedimentos, em alguns casos, tolera essa cultura. Do ponto de vista divino – e isso é claro na Bíblia –, homem e mulher foram criados iguais e detêm a mesma dignidade. Paulo recomenda a mútua submissão, ao passo que as feministas gostam de ressaltar apenas o texto em que ele recomenda à mulher ser submissa ao esposo.] [...]
“Além disso, hoje temos conhecimento de uma gama impressionante de comportamentos sexuais entre os animais, o que inclui homossexualidade e hermafroditismo”, defende o padre católico [homossexual] James Alison, britânico radicado em São Paulo. [Opa! Os animais também praticam canibalismo, suicídio coletivo e mantêm outros comportamentos “bárbaros”, certamente derivados da degeneração pós-pecado. Vamos nos nivelar aos irracionais, então? Serão eles nosso referencial de conduta? Isso é o que dá abraçar a filosofia darwinista...] [...]
Para o padre, a falta de discussão no catolicismo sobre a homossexualidade “emburreceu” as pessoas para o debate em torno da pedofilia, que tanto tem causado danos à imagem da Igreja nos últimos anos. Daí a reação lenta diante das denúncias. E também se tornou um obstáculo à evangelização. [Se o negócio é relativizar, por que condenar a pedofilia? Há pessoas que a defendem como forma de afetividade “normal”. E agora? E o incesto? Por que seria errado? A Bíblia o condena, certo, mas essa condenação não viria também de uma leitura “literal” dela? Além disso, animais praticam “pedofilia” e incesto...]
(Cynara Menezes, Carta Capital)
Nota: O que alguns líderes religiosos liberais parecem não perceber é que Jesus acolhia o pecador a fim de que este tivesse a vida transformada. Para a mulher apanhada em adultério – que Jesus perdoou incondicionalmente –, Ele disse: “Vá e não peques mais.” Jesus ama e abraça o pecador, mas odeia e rechaça o pecado, pois o pecado destrói o ser humano e desfigura a imagem de Deus nele. Respondendo à pergunta do artigo acima (Ser gay é pecado?): não, ser gay não é pecado, tanto quanto ser humano (com sua natureza pecaminosa) não é pecado. Pecado é dar rédeas soltas a essa natureza. Pecado é viver “na carne”, como diz a Bíblia. Ser gay (ter tendências homossexuais), portanto, não é pecado; manter um estilo de vida homossexual, isso, sim, segundo a Bíblia, é pecado. Líderes religiosos liberais podem tentar amenizar o discurso para parecerem politicamente corretos, mas, se forem fieis à Palavra de Deus, deverão admitir que manter relações sexuais com pessoas do mesmo sexo (assim como praticar sexo fora e antes do casamento) é considerado pecado por Aquele que inspirou a redação das Escrituras. Deus criou um homem e uma mulher para, no contexto matrimonial, desfrutarem do sexo numa relação de amor e compromisso. Biblicamente falando, é isso. Mas esse mesmo Deus concede liberdade para cada um viver como bem entende – em pecado ou não.[MB]
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