Nicholas Carr cutucou a onça da internet com um argumento longo e bem-desenvolvido no livro The Shallows What the Internet is Doing to Our Brains (que poderia ser traduzido como “No Raso o que a Internet Está Fazendo com Nossos Cérebros” e será lançado no Brasil pela Agir). Em poucas palavras, a facilidade para achar coisas novas na rede e se distrair com elas estaria nos tornando estúpidos. Era o que estava implícito no título de um artigo de Carr em 2008 (ele prefere o qualificativo de “superficiais”) que deu origem a uma controvérsia acesa. E, também, ao livro, que já vendeu mais de 40 mil cópias nos Estados Unidos e está sendo traduzido em 15 línguas. Carr recusa a pecha de alarmista, mas sua preocupação com os efeitos não pretendidos das “tecnologias de tela” é tanta que ele recomenda a restrição do acesso de alunos à internet nas escolas. Não descarta que a rede possa evoluir para a veiculação de ideias menos superficiais, mas tampouco vê indícios de que irá nessa direção.
“A internet, sendo um sistema multimídia baseado em mensagens e interrupções, tem uma ética intelectual que valoriza certos tipos de pensamento utilitários”, lamenta o jornalista. Ele já foi assinante de Facebook e Twitter, mas abandonou esses serviços para manter a concentração e a capacidade de refletir em profundidade.
Leia abaixo trechos da entrevista telefônica dada por Carr da casa de parentes em Evergreen, Colorado, onde se refugiou depois de evacuado em consequência de incêndios florestais que se aproximavam de sua casa nas montanhas Rochosas.
Seu livro, The Shallows, deplora a internet como ameaça à mente formada pela invenção de Gutenberg, que nos deu o Renascimento, o Iluminismo, a Revolução Industrial e o Modernismo. Mas a invenção de Gutenberg também não destruiu a mente e a filosofia medievais, assim como toda a cultura clássica greco-romana? Ou seria mais preciso dizer que ambas as invenções amplificaram e continuaram a cultura do passado?
Toda tecnologia de comunicação e escrita traz mudanças. Perdemos coisas do passado e ganhamos outras coisas novas. Isso é verdadeiro mesmo para o período anterior a Gutenberg, com a invenção do alfabeto, pela maneira como alterou a memória humana e nos deu maior capacidade de intercambiar informação. A internet, assim como tecnologias anteriores, amplifica certos modos de pensar e certos aspectos da mente intelectual, mas também, ao longo do caminho, sacrifica outras coisas importantes. [...]
O que pode ser feito em termos práticos e individuais para resistir a essa tendência, reservar algumas horas no dia ou na semana para permanecer desconectado? É o que o Sr. faz nas montanhas do Colorado?
(Risos) Não escrevi o livro para ser do tipo de autoajuda. A mudança que estamos vendo faz parte de uma tendência de longo prazo, na qual a sociedade põe ênfase no pensamento para a solução rápida de problemas, tipos utilitários de pensamento que envolvem encontrar informação precisa rapidamente, distanciando-se de formas mais solitárias, contemplativas e concentradas. Por outro lado, como indivíduos, nós temos escolha. Mesmo que a desconexão se torne mais e mais difícil, pois a expectativa de que permaneçamos conectados está embutida na nossa vida profissional e cada vez mais na visa social, a maneira de manter o modo mais contemplativo de pensamento é desconectar-se por um tempo substancial, reduzindo nossa dependência em relação às tecnologias de tela e exercendo nossa capacidade de prestar atenção profundamente em uma única coisa.
Seu livro lembra o filme Fahrenheit 451 (1966), de François Truffaut, baseado em romance de Ray Bradbury em que as pessoas decoravam livros para impedir que todos fossem destruídos. O Sr. acredita que essa seja a mensagem mais comum extraída dele, a importância de permanecer desconectado para preservar algo que não se deve perder?
Sim, e fico mesmo gratificado com isso. Muitas pessoas que o leram reagiram dessa maneira. O valor do livro para elas, pessoalmente, foi confirmar algo que talvez não tivessem percebido claramente antes, que estão de fato perdendo essa habilidade de ler e pensar em profundidade. Estão questionando sua dependência da nova tecnologia digital e, em alguns casos, tentam moderar o uso das engenhocas e retornar à leitura de material impresso, reservando tempo para contemplação, reflexão e meditação, modos mais solitários e calmos de pensar.
As escolas deveriam restringir o uso de computadores e internet pelos alunos, em lugar de se lançar de cabeça na tecnologia?
Sim. Nos Estados Unidos tem havido uma corrida para considerar que computadores na escola são sempre uma coisa boa, até mesmo uma confusão da qualidade do ensino com o tempo que os alunos passam conectados. É um erro. Certamente os computadores e a internet têm um papel importante a desempenhar na educação, e as crianças precisam aprender competências computacionais, a usar a internet de maneira eficaz. Mas as escolas precisam perceber que essa é uma maneira de pensar diferente de ler um livro. É preciso dar tempo e ênfase, no ensino, para desenvolver a capacidade de prestar atenção em uma única coisa, em vez de mover sua atenção entre diversas coisas. Isso é essencial para certos tipos de pensamento crítico e conceitual. [...]
Meu temor é que, na medida em que empurramos celulares, smartphones e computadores para as crianças em idades cada vez mais precoces, elas não venham a desenvolver as habilidades mentais mais contemplativas e atentas. Isso seria uma grande perda para a cultura, pois a expressão artística requer reflexão mais calma, tranquila, introspectiva. Se as crianças perderem isso, veremos uma diminuição nas realizações culturais e artísticas. [...]
Mas é concebível que a internet possa mover-se numa direção que combine os poderes da informação visual com os do texto para promover pensamentos em profundidade?
Tudo é possível, mas cada tecnologia que usamos para fins intelectuais tem certos efeitos e reflete um conjunto particular de premissas sobre como devemos pensar. A internet, sendo um sistema multimídia baseado em mensagens e interrupções, tem uma ética intelectual que valoriza certos tipos de pensamento utilitários, voltados para a solução de problemas, que encoraja as multitarefas e a rápida transmissão ou recepção de migalhas de informação. A tecnologia pode mudar rapidamente, mas não vejo razão para pensar que vá [noutra direção]. [...]
(Folha.com)
Nota: O que mais me chama a atenção nessa entrevista é a constatação de que as pessoas têm reservado cada vez menos tempo para contemplação, reflexão e meditação. Seja sincero, internauta: Nos últimos meses/anos você leu/estudou mais ou menos sua Bíblia? Leu mais ou menos livros? Quanto do tempo que você dedicava a leituras mais profundas você hoje gasta navegando na internet? Defendo a internet como boa ferramenta para obtenção de informações e disseminação de conhecimento (inclusive para evangelismo), mas nosso pensamento não pode ser formado apenas de informação. O conhecimento não pode ser fragmentário, irrefletido; além disso, precisamos tomar tempo para “aquietar” (Salmo 46:10) e conversar calmamente com Deus. Se não formos “temperantes” também no uso da web, nosso precioso tempo se esvairá e nos tornaremos pessoas superficiais e vazias. Que tal desconectar um pouco agora, ler um livro, a Bíblia ou bater um bom papo com Deus, um amigo ou parente?[MB]
“A internet, sendo um sistema multimídia baseado em mensagens e interrupções, tem uma ética intelectual que valoriza certos tipos de pensamento utilitários”, lamenta o jornalista. Ele já foi assinante de Facebook e Twitter, mas abandonou esses serviços para manter a concentração e a capacidade de refletir em profundidade.
Leia abaixo trechos da entrevista telefônica dada por Carr da casa de parentes em Evergreen, Colorado, onde se refugiou depois de evacuado em consequência de incêndios florestais que se aproximavam de sua casa nas montanhas Rochosas.
Seu livro, The Shallows, deplora a internet como ameaça à mente formada pela invenção de Gutenberg, que nos deu o Renascimento, o Iluminismo, a Revolução Industrial e o Modernismo. Mas a invenção de Gutenberg também não destruiu a mente e a filosofia medievais, assim como toda a cultura clássica greco-romana? Ou seria mais preciso dizer que ambas as invenções amplificaram e continuaram a cultura do passado?
Toda tecnologia de comunicação e escrita traz mudanças. Perdemos coisas do passado e ganhamos outras coisas novas. Isso é verdadeiro mesmo para o período anterior a Gutenberg, com a invenção do alfabeto, pela maneira como alterou a memória humana e nos deu maior capacidade de intercambiar informação. A internet, assim como tecnologias anteriores, amplifica certos modos de pensar e certos aspectos da mente intelectual, mas também, ao longo do caminho, sacrifica outras coisas importantes. [...]
O que pode ser feito em termos práticos e individuais para resistir a essa tendência, reservar algumas horas no dia ou na semana para permanecer desconectado? É o que o Sr. faz nas montanhas do Colorado?
(Risos) Não escrevi o livro para ser do tipo de autoajuda. A mudança que estamos vendo faz parte de uma tendência de longo prazo, na qual a sociedade põe ênfase no pensamento para a solução rápida de problemas, tipos utilitários de pensamento que envolvem encontrar informação precisa rapidamente, distanciando-se de formas mais solitárias, contemplativas e concentradas. Por outro lado, como indivíduos, nós temos escolha. Mesmo que a desconexão se torne mais e mais difícil, pois a expectativa de que permaneçamos conectados está embutida na nossa vida profissional e cada vez mais na visa social, a maneira de manter o modo mais contemplativo de pensamento é desconectar-se por um tempo substancial, reduzindo nossa dependência em relação às tecnologias de tela e exercendo nossa capacidade de prestar atenção profundamente em uma única coisa.
Seu livro lembra o filme Fahrenheit 451 (1966), de François Truffaut, baseado em romance de Ray Bradbury em que as pessoas decoravam livros para impedir que todos fossem destruídos. O Sr. acredita que essa seja a mensagem mais comum extraída dele, a importância de permanecer desconectado para preservar algo que não se deve perder?
Sim, e fico mesmo gratificado com isso. Muitas pessoas que o leram reagiram dessa maneira. O valor do livro para elas, pessoalmente, foi confirmar algo que talvez não tivessem percebido claramente antes, que estão de fato perdendo essa habilidade de ler e pensar em profundidade. Estão questionando sua dependência da nova tecnologia digital e, em alguns casos, tentam moderar o uso das engenhocas e retornar à leitura de material impresso, reservando tempo para contemplação, reflexão e meditação, modos mais solitários e calmos de pensar.
As escolas deveriam restringir o uso de computadores e internet pelos alunos, em lugar de se lançar de cabeça na tecnologia?
Sim. Nos Estados Unidos tem havido uma corrida para considerar que computadores na escola são sempre uma coisa boa, até mesmo uma confusão da qualidade do ensino com o tempo que os alunos passam conectados. É um erro. Certamente os computadores e a internet têm um papel importante a desempenhar na educação, e as crianças precisam aprender competências computacionais, a usar a internet de maneira eficaz. Mas as escolas precisam perceber que essa é uma maneira de pensar diferente de ler um livro. É preciso dar tempo e ênfase, no ensino, para desenvolver a capacidade de prestar atenção em uma única coisa, em vez de mover sua atenção entre diversas coisas. Isso é essencial para certos tipos de pensamento crítico e conceitual. [...]
Meu temor é que, na medida em que empurramos celulares, smartphones e computadores para as crianças em idades cada vez mais precoces, elas não venham a desenvolver as habilidades mentais mais contemplativas e atentas. Isso seria uma grande perda para a cultura, pois a expressão artística requer reflexão mais calma, tranquila, introspectiva. Se as crianças perderem isso, veremos uma diminuição nas realizações culturais e artísticas. [...]
Mas é concebível que a internet possa mover-se numa direção que combine os poderes da informação visual com os do texto para promover pensamentos em profundidade?
Tudo é possível, mas cada tecnologia que usamos para fins intelectuais tem certos efeitos e reflete um conjunto particular de premissas sobre como devemos pensar. A internet, sendo um sistema multimídia baseado em mensagens e interrupções, tem uma ética intelectual que valoriza certos tipos de pensamento utilitários, voltados para a solução de problemas, que encoraja as multitarefas e a rápida transmissão ou recepção de migalhas de informação. A tecnologia pode mudar rapidamente, mas não vejo razão para pensar que vá [noutra direção]. [...]
(Folha.com)
Nota: O que mais me chama a atenção nessa entrevista é a constatação de que as pessoas têm reservado cada vez menos tempo para contemplação, reflexão e meditação. Seja sincero, internauta: Nos últimos meses/anos você leu/estudou mais ou menos sua Bíblia? Leu mais ou menos livros? Quanto do tempo que você dedicava a leituras mais profundas você hoje gasta navegando na internet? Defendo a internet como boa ferramenta para obtenção de informações e disseminação de conhecimento (inclusive para evangelismo), mas nosso pensamento não pode ser formado apenas de informação. O conhecimento não pode ser fragmentário, irrefletido; além disso, precisamos tomar tempo para “aquietar” (Salmo 46:10) e conversar calmamente com Deus. Se não formos “temperantes” também no uso da web, nosso precioso tempo se esvairá e nos tornaremos pessoas superficiais e vazias. Que tal desconectar um pouco agora, ler um livro, a Bíblia ou bater um bom papo com Deus, um amigo ou parente?[MB]
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